segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Blow-Up: depois daquele filme

Artigo que fiz para uma revista, um texto com formato híbrido, mistura jornalismo cultural e acadêmico. Coloco aqui mais para expor à crítica e poder olhar pra trás para saber onde evoluir...

O filme Terra em Transe, de Glauber Rocha, chocou os artistas da época e preparou o ambiente para o tropicalismo


Explosão no sentido literal, a expressão “Blow-Up” empregada no título do filme de Michelangelo Antonioni (1966) significa mais. É uma técnica utilizada na revelação fotográfica para tratar da ampliação de uma imagem até se nível máximo, estourando os pontos que a compõem, mas revelando detalhes que não seriam notados normalmente. Mas o que isso tem a ver com Glauber Rocha?

Pego essa expressão de empréstimo para falar de um momento muito específico na cultura brasileira, o lançamento do filme Terra em Transe, em 1965. A obra causou enorme impacto no campo artístico da época, influenciando muitos artistas. E, isso, justamente porque trouxe uma espécie de “revelação explosiva” daquele contexto.

O que aparecia na tela não eram apenas delírios de um poeta, mas também a crise de consciência de vários brasileiros diante do golpe de 64. Desengano, desilusão, morte é disso que trata o transe de Glauber Rocha. A obra é construída como o epitáfio de um poeta em crise, em contradição, Paulo Martins. Mais que isso, mostra a perda de esperança do cineasta no Brasil, o não cumprimento da profecia presente no seu filme anterior: “o sertão vai virar mar, o mar vai virar sertão”.

Glauber coloca no filme uma identidade nacional descontínua, fragmentada através do delírio do protagonista. Ele mistura natureza com cultura tradicional e carnavaliza a história, criando assim um tropicalismo barroco. Terra em Transe lança a agressão ao espectador de cinema no Brasil e influencia artistas da época, preparando o país para o movimento Tropicalista do final dos anos 60.

A obra tocou profundamente alguns intelectuais que viviam a contradição da modernização conservadora do governo militar. A sensação promovida pelo filme instigou artistas da canção, como Caetano Veloso, e do teatro, como José Celso Martinez, a produzirem. Apesar de elementos estéticos novos para Glauber na arte desses tropicalistas, como a colagem de imagens pop, não há como negar outros semelhantes: a agressão ao público, a ironia e a presença do carnavalesco. O próprio compositor Caetano Veloso, já admitiu em seu livro, Verdade Tropical, sua influência pelo filme:

“Se o tropicalismo se deveu em alguma medida a meus atos e minhas idéias, temos então de considerar como deflagrador do movimento o impacto que teve sobre mim o filme Terra em transe, de Glauber Rocha, em minha temporada carioca de 66-7. (...) E, à medida que o filme seguia em frente, as imagens de grande força que se sucediam confirmavam a impressão de que aspectos inconscientes de nossa realidade estavam à beira de se revelar. Portanto, quando o poeta de Terra em transe decretou a falência da crença nas energias libertadoras do ‘povo’, eu, na platéia vi, não o fim das possibilidades, mas o anúncio de novas tarefas para mim.”

O desamparo que a obra do cineasta do Cinema Novo produziu no espectador serviu como inspiração a estética de agressão ao público do Teatro Oficina. O fundador da companhia José Celso Martinez também declarou no seu livro, O Poder de Subversão da Forma, que foi “violentamente influenciado por Terra em Transe”:

“(...) um filme como Terra em transe, dentro do pequeno público que o assistiu e que o entendeu, tem muito mais eficácia política do que mil e um filmecos politizantes. Terra em transe é positivo exatamente porque coloca quem se comunica com o filme em estado de tensão e de necessidade de criação neste país.”

Resta lembrar que em 67 o tropicalismo de Glauber não tinha o humor que apareceu posteriormente no movimento estético antropofágico. O tropicalismo do cineasta é carregado de tensão da crise barroca, ele se dá de forma trágica, ritualizando a morte da esperança presente no Cinema Novo. Depois da Tropicália em curso, Glauber Rocha sabia de sua contribuição para o movimento, principalmente como inspiração, gostava de falar que a peça O Rei da Vela foi dedicada a ele. Em 1968 o diretor respondeu a um jornalista a pergunta que todos queriam fazer: “Você se considera um tropicalista?”

“O circo pegou fogo, mas eu estava na Europa. Quando voltei já encontrei o movimento em andamento, com muitos teóricos, críticos, precursores e inimigos. Ora o tropicalismo é o movimento mais tropicalista que existe. Vale tudo. Eu, no momento, estou pensando em fazer outra coisa, mas incentivo as descobertas tropicalistas (...) O tropicalismo nos liberta das manias européias e nos lança no pânico carnavalesco do nosso Brasil, onde a Bossa convive com a palhoça. Somente da consciência em chagas nascerá alguma coisa.”

1 - CORRÊA, José Celso Martinez. O Poder de Subversão da Forma (entrevista realizada por Tite de Lemos). Revista APARTE, n. 1, TUSP, mar./abr

2 - VELOSO, Caetano. Verdade tropical. São Paulo: Cia. das Letras,

3 – Bentes, Ivana. Multitropicalismo, cinesensação e dispositivos teóricos. Tropicália - uma revolução na cultura brasileira

Um comentário:

  1. Depois de ler "Glauber, esse vulcão" que contém textos de Glauber reveladores sobre sua obra e pensamento de cineasta, fico com a obrigação de rever seus filmes a fim de uma melhor compreensão de sua genialidade superior.

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